10.7.06

Coisas


Outro dia eu e fuinha estávamos em Montefor da Beira, uma vila bem pequenina de Portugal, segundo me disseram é um dos três lugares mais pobres do país, que seja! estávamos vendo uma festa tradicional, do dia de São João. Iam os cavaleiros até uma casa e a dona da casa, que era a "patrocinadora" da festa neste ano, entregava um estandarte de São João e ia o tropel de burros e cavalos seguindo o tal! Em meio as comemorações descobri que um primo havia participado da guerra de Angola, coisa que fuinha estuda, portanto, após a festa marcamos uma "entrevista" com este meu primo, e antes do jantar, do outro dia, lá foi fuinha perguntando como foi, o que ele viu, o que sentiu e outras coisitas... Eu ia e vinha, nao me interessava muito o assunto, e meu primo falando e fazendo onomatopéias: tabók, tábok (acho que era o som dos tiros em plena selva), contou sobre alguns atos (seus e de sua companhia) e também de alguns atos dos seus inimigos, "os pretos" - haviam "pretos", ou angolanos, que lutavam ao lado deles, pois eram portugueses, esses "pretos" eram os portugueses, os outros (os da resistência) eram os "pretos", mesmo que não fossem... Bem em certa hora eu ouvi meu primo dizendo algo como; "após os portugueses saírem de Angola, 'os pretos' tomaram posse das casas, mas eram 'selvagens', imagine" - disse meu primo - "havia nas fazendas: piscinas, plantações e outras coisas, mas para 'os pretos', aquilo era nada, eles tomaram as casas, levaram seus porcos para dentro das casas de banho (é assim que se chamam banheiros, aqui) e alojavam os animais ali. Os porcos dentro da banheira, as plantações às moscas, assim como as casas, as banheiras e tudo o que os portugueses 'deixaram' "... Bem... a minha narrativa ainda nao está completa, pois após alguns outros comentários desse tipo: "expulsaram os portugueses, que levaram progresso para lá, e continuaram a viver como selvagens..." Subimos e fomos jantar, e o meu primo disse ao meu outro primo: "estava a falar para a menina (a fuinha) como 'os pretos' são, tiraram os portugas de suas banheiras e colocaram porcos no lugar" ... o outro (meu primo) riu e disse: " mas 'os pretos' são assim! Não que eu seja racista, pelo contrário, sou amigo de muitos negros e tudo, mas eles são assim, não tem noção das coisas" - e enquanto falava, minha prima, esposa desse que lutou e irmã do outro que reclamava, colocou em cima de um móvel, um bonito doce de ovos. Moscas rondavam mesa, meu primo (o que reclamava dos "pretos") pegou o mata-moscas e continuou seu discurso - " os 'pretos' não tem noção, eles entram nos aviões carregando galinha a tira colo, fazem isso e aquilo" de repente: plaft - meu primo enfiou o mata-moscas em cima do doce, e de propósito, pois a mosca pousou na beirada da travessa e ele a olhou e: tuft, não acertou a mosca, que obviamente voou, mas a bela decoração do doce de ovos recebeu uma tatuagem de redinha, que era a forma do mata-moscas, ele, obviamente, viu o que fez e de mansinho guardou o tal mata-moscas, olhei pra fuinha que horrorizada com tal ato, quase começou a rir. Alguns instantes depois a minha prima colocou o doce "carimbado" em cima da mesa, e as pessoas começaram a servir-se... inclusive meu primo que sabia o que tinha feito, eu e fuinha também nos servimos, mas do lado oposto ao "carimbado"... a cena ficou digna de filme: Um fulano falando mal dos "pretos" desajeitados e não-civilizados, e ele; o civilizado, o 'culturado', enfia um negócio nojento no doce que vai comer e come! É... e a vida continua; desse modo civilizada...